Rafael Macedo

“Não há qualquer nota ou qualquer ‘passagem’ instrumental criada sem desejo de discurso, sem algum tipo de necessidade narrativa”. Essa declaração de Rafael Macedo, registrada pela jornalista Pérola Mathias na revista digital Diversos Afins, poderia ser fixada na porta de entrada de suas “microarquiteturas”.

Lançado em 2018 pela Rocinante, microarquiteturas é o nome do segundo disco de Macedo com o grupo Pulando o Vitrô, e embora a frase citada se refira especificamente a esse trabalho, ela poderia definir de modo geral os procedimentos desse compositor e arranjador mineiro: os mínimos detalhes das partituras que escreve estão impregnadas de sentidos que vão se desvelando escuta após escuta, lenta e continuamente.

Arrigo Barnabé – outro grande microarquiteto – saudou Rafael de modo arrebatado na contracapa do disco: “bem-te-vi portador da esperança, fazendo o som jorrar da rocha estéril com as batidas de teu cajado, salve!” 

Desde as primeiras criações, o estilo de Macedo conjuga instâncias culturais díspares. Ainda adolescente, enviou a um festival colegial uma peça com elementos de jazz, Villa-Lobos e Nirvana. O piano da mãe e o violão do pai involuntariamente ensinaram a ele, quando menino, algo que agora se traduz no arrojo de sua obra: que há dicotomias merecedoras de desuso, como “erudito” e “popular”, “sofisticado” e “primitivo”, “alto” e “baixo”. 

Seu primeiro álbum, Quase em Silêncio (2009), já flagrava um artista caminhando decididamente na direção do “universal” – o que levou Hermeto Pascoal a observar que Rafael “não é do tipo que precisa se misturar para aparecer”. 

O bruxo alagoano dividiu uma noite com o mineiro em 2015 no Festival Meio de Campo. O grupo deste abriu a noite para o daquele, e ao final todos juntos “quebraram tudo”.

Intérprete, Macedo também já “quebrou tudo” com o UAKTI, Gabriel Grossi, Toninho Horta, Benjamin Taubkin, Juliana Perdigão, Kristoff Silva, Rafael Martini e outros tantos.

Autor, já foi agraciado em duas edições do Prêmio BDMG Instrumental (2006 e 2013) e pelo Circuito Funarte de Música Popular (2010).

Arranjador, marcou fonogramas de artistas da atual cena belorizontina (Coletivo Ana, Leonora Weissmann, Graveola, Leopoldina Azevedo, Edu Pio).

Produtor musical, esteve à frente de álbuns vários, como o de estreia da cantautora Sofia Cupertino, o de composições infantis de Edu Pio e o da Misturada Orquestra, que co-produziu em 2011.

O vídeo de sua canção “Sonhos em pó”, realizado em parceria com o duo audiovisual Andarin, foi duplamente laureado: em 2020 com o Prêmio Respirarte da Funarte e em 2021 com o FAC. 

As incursões de Macedo no campo do audiovisual (mais uma vez em parceria com a Andarin e com o reforço de textos de Thiago Amud) ganharam novo capítulo em 2022, quando veio a público o projeto A voz, a sós, composto por nove vídeo-canções especialmente concebidos para nove cantores que atuarão cantando a cappella

O terceiro passo fonográfico de Rafael foi dado também aqui na Rocinante, em 2023, quando lançamos Talvez uma dansa

Alicerçado num quarteto de câmara (piano, violino, viola e contrabaixo), adensado por címbalos, cuícas, berimbaus, trio de violões e flautas japonesas, recorrendo a estruturas polirrítmicas, modalismos orientais e flertes com a atonalidade, Talvez uma dansa é uma grande meditação sobre a impermanência. 

Segundo o pianista Benjamim Taubkin, “é música para ouvir com os ouvidos abertos e se deixar encantar pelo que ainda não conhecemos.” 

Nesse trabalho, co-produzido por Thiago Amud, o autor dividiu os microfones com Jhê, Lívia Nestrovski, Kristoff Silva e um coro lírico feminino de doze vozes. 

A jornada de Rafael Macedo, assim atravessada por tantas amizades, talvez seja traduzida pela estrutura mesma das músicas que inventa, pois, como ele mesmo afirma: “Para mim, tudo – instrumentos, vozes e letras – quer comunicar algo em comum ou dialogal entre si, cada instância a seu modo”.

Talvez uma dansa

Rafael Macedo

R016 | julho 2023

microarquiteturas

Rafael Macedo & Pulando o Vitrô

R003 | junho 2018