Erika Ribeiro

“Acho importante que a minha geração reveja os rótulos normalmente adotados para a música ‘erudita’ e ‘popular’ no Brasil, e comece a conhecer música no que ela tem de essencial.”

A frase de Erika Ribeiro, pinçada em entrevista concedida à jornalista Camila Fresca para a revista Concerto, nos ajuda a compreender sua singularidade no panorama do dito piano “clássico” do Brasil de hoje.

Vencedora de 10 concursos nacionais – entre eles o III Concurso Nelson Freire – e premiada em mais de 20, a pianista paulista Erika vem se apresentando nas principais salas de concerto deste país e em países como Alemanha, Áustria, Estados Unidos, França, Polônia e Portugal, como solista, camerista ou à frente de orquestras como a OSB, a Petrobras Sinfônica, a Filarmônica de Minas Gerais, a Sinfônica Nacional, a Sinfônica de Porto Alegre, a Sinfônica da UFRJ, a Experimental de Repertório, a Sinfônica do Espírito Santo, a Filarmônica de Gaia e a Filarmônica de Kalisz.

No entanto, há notas diferentes saltando das teclas dessa concertista e professora da UNIRIO, e talvez baste uma olhadela em seu currículo acadêmico para percebermos isso. Após a graduação na Escola de Música de Piracicaba, o mestrado na USP sob a orientação de Eduardo Monteiro, o estudo por dois anos na tradicional Hochschule für Musik Hanns Eisler em Berlim (Alemanha) e o aperfeiçoamento na Écoles d’Art de Fontainebleau (França), a musicista obteve o título de doutora com a tese “O pianismo e seus elementos na música de Egberto Gismonti”. O fato de ter adotado como objeto de doutorado um compositor que absolutamente não se enquadra na dicotomia ”popular-erudito” é sinal de inquietude.

Lançado pelo selo Naxos Latin Classics Series, Images of Brazil, o primeiro disco da paulista – em duo com a violinista americana Francesca Anderegg –, já registrava tal inquietude. No repertório, entre compositores que classificamos como “eruditos” (um Guarnieri, um Guerra-Peixe, um Villa-Lobos), encontramos a “popular” Léa Freire.

Enquanto recebia comentários elogiosos da crítica especializada sobre esse álbum (para João Marcos Coelho “um dos melhores de 2019”, para Irineu Franco Perpetuo “imagens do que o Brasil tem de melhor”), Erika preparava aqui na Rocinante seu primeiro disco solo, produzido por Bernardo Ramos e Sylvio Fraga.

Lançado em 2021, Erika Ribeiro (Ígor Stravinsky, Sofia Gubaidúlina e Hermeto Pascoal) mais uma vez estreita mundos que, embora afins, pouco se frequentam: a profunda Rússia e o Brasil profundo. Quando ouvimos em sequência a “Canção de Seita” do russo “culto” e a “Série de Arco” do brasileiro “intuitivo”, atestamos o parentesco.

Com exceção dos “Brinquedos Musicais” de Gubaidúlina, escritos originalmente para piano solo, tudo o mais que se ouve no álbum foi transcrito pela intérprete a partir de outras formações. Diz ela na entrevista supracitada: “transcrições devolvem algo de autoral ao instrumentista, proporcionando uma liberdade de interpretação e trazendo sua natureza à tona, algo que muito me interessa como artista.”

A autoralidade do trabalho o levou à final do Prêmio Concerto 2021 na categoria “Melhor Disco do Ano”, e à indicação ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música Clássica de 2022. Após ouvi-lo, o violonista Sérgio Assad afirmou que “Erika Ribeiro nos revela, com grande maestria e imaginação, o universo lúdico de Stravinsky e Gubaidúlina, e como brinde nos oferta o sempre surpreendente Hermeto Pascoal, numa combinação de 23 miniaturas que são verdadeiras joias”, enquanto Edu Lobo definiu-o como “muito mais do que um disco, um depoimento importante e necessário.”

A música no que ela tem de essencial.